Artigo de Camila Gabriela dos Santos, assessora de juiz da 14ª Vara Criminal da Capital e membro do Clube do Livro Direito e Literatura, sobre o best-seller japonês Querida Konbini.
A obra está disponível para empréstimo na Biblioteca Geral do Judiciário, que, além das obras de cunho jurídico, também conta com uma nova coleção composta por obras de literatura. Os romances, contos, livros de poesia, crônicas, obras clássicas e contemporâneas, estão disponíveis para empréstimo a servidores/as, estagiários/as e magistrados/as do Poder Judiciário de Alagoas.
A nova coleção faz parte do conjunto de ações do 'Projeto Justiça que Lê', que tem como objetivo tornar o Poder Judiciário de Alagoas uma grande comunidade de leitores. Clique para escolher um título e recebê-lo pelo sistema de delivery em qualquer unidade do Judiciário da capital. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (82) 2126-5350 ou pelo e-mail bibliotecageralesmal@gmail.com.
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Querida Konbini
Querida Konbini é um best-seller japonês de autoria de Sayaka Murata, traduzido por Rita Kohl para a editora Estação Liberdade. O romance foi publicado em 9 de fevereiro de 2009 e conta com 152 páginas de uma leitura que agrega a leveza de uma narrativa singela com a discussão das múltiplas facetas inerentes às sociedades modernas.
Logo no início da leitura, imergimos em aspectos próprios da cultura japonesa, como o próprio conceito de konbini, local assemelhado a uma loja de conveniência, todavia com a oferta de serviços tão variados que a torna mais complexa.
A Konbini é o local de trabalho da protagonista Keiko Furukura, a qual iniciou em sua função por meio de um contrato temporário quando tinha 18 anos e que permaneceu dessa forma até o tempo de decurso da história, quando a personagem se encontra com 36 anos. A temporariedade dos contratos, inclusive, é uma característica dos funcionários das Konbinis, compostos em sua maioria por estudantes universitários, imigrantes ou mulheres que desejam complementar a renda do marido.
O livro passeia entre os aspectos da vida de Keiko, como forma de relacioná-los aos comportamentos da sociedade em que ela está inserida. Keiko é considerada estranha. Curioso é que Keiko percebe que não se encaixa nos padrões seguidos pelos amigos e familiares e, apesar de não se preocupar com as opiniões alheias a seu respeito, tenta ocultar suas particularidades com a finalidade de não causar preocupações, especialmente de sua irmã, bem como de seguir com sua vida sem maiores interferências.
Ao se tornar adulta, muitos questionamentos são levantados ao seu respeito. Por que uma mulher de 36 anos permaneceu tanto tempo em um emprego temporário? Por que se conforma com uma remuneração tão baixa? Por que não ambiciona um emprego mais estável? Por que mora sozinha em um pequenino apartamento? Por que não se casou e teve filhos? Por que não tem um namorado? Por que nunca teve nenhuma experiência sexual? Por que, por que, por que...
Constantemente Keiko se depara com esses e outros questionamentos, para os quais não tem uma resposta específica, porquanto é apenas o modo de vida que a satisfaz. Aconselhada pela irmã, começa a criar frases prontas somente para encerrar a curiosidade das pessoas. Keiko inventa ter uma doença grave para justificar seu trabalho na Konbini ou o fato de se envolver com homens casados ou que não querem um relacionamento sério, para justificar sua vida amorosa.
Ocorre que Keiko se enxerga satisfeita. Seus dias são pautados em cumprir com as necessidades da Konbini. Lá, Keiko tem funções preestabelecidas, os diálogos com os clientes são ensaiados, o que os tornam previsíveis. Lá todos os funcionários são igualmente tratados no ambiente de trabalho. Unida a Konbini, seus dias fazem sentido e ela se sente plenamente útil.
No decurso de todo esse enredo aparentemente simples, questões importantes são levadas à reflexão, especialmente, quanto à necessidade da sociedade em padronizar o comportamento das pessoas para o fim de alcançar um modelo de vida produtivo e bem-sucedido, de modo que o menor desvio nessas pretensões causa incômodos. O modo de vida de Keiko não é o conceito de felicidade, de acordo com os padrões estabelecidos por pessoas, em sua maioria, insatisfeitas e infelizes.
Associado a isto, discute-se também questões de gênero, afinal, Keiko é constantemente advertida sobre seu insucesso pessoal, pois além de não ter um marido e filhos, sua carreira profissional é um desastre, o que a torna altamente fracassada. Muito embora Keiko acolha um conhecido como pretenso parceiro, com vistas a se encaixar na normalidade, o que observamos é um jovem que, embora adverso à construção social imposta, se apresenta possuidor de comportamentos preconceituosos e opressores que tanto repele em seus discursos teóricos.
Querida Konbini é uma obra sutil, mas que trata de temas complexos e que ultrapassam as fronteiras da sociedade japonesa, sendo facilmente perceptíveis nas diversas construções sociais. Essa é uma obra intercontinental.