Teoria do Medalhão
Artigo de Arnaldo Costa, servidor do TJAL e membro do Clube do Livro Direito e Literatura, sobre o conto de Machado de Assis
Trata-se de um conto pertencente à escola literária conhecida como Realismo, estando incluído no livro publicado por volta do ano de 1882, intitulado Papéis Avulsos, escrito por ninguém menos que José Maria Machado de Assis, talvez o maior expoente literário brasileiro no mundo. Nesta obra, o autor retrata o dia do aniversário de Janjão, que completava 21 anos e que, em determinado momento após a festa, recebe conselhos valiosos do pai para que pudesse ter um futuro tranquilo e bem-sucedido exercendo o ofício de medalhão.
Desta forma, o pai o aconselha, por exemplo, a evitar qualquer atividade que favorecesse o pensamento crítico, bem como a não andar desacompanhado (pois poderia estimular o raciocínio, o que seria prejudicial). Entrar em bibliotecas era importante para manter as aparências aos olhos da sociedade, mas jamais deveria ler livro algum, apenas manter conversas fúteis com quem lá estivesse. Raciocínios muito elaborados deveriam ser evitados a todo custo, melhor seria apelar para o senso comum e utilizar expressões consagradas e frases feitas. Caso quisesse fazer gracejos para alegrar algum ambiente, jamais deveria fazer piadas muito rebuscadas e complexas, o ideal seria apelar para a boa e velha chalaça. Janjão é também alertado por seu pai sobre a importância da propaganda pessoal, tendo sido por ele orientado a oferecer banquetes a seus amigos e fazer espalhar a notícia para que o maior número de pessoas ficasse sabendo.
Janjão é advertido de que, apesar de ele ser dotado da perfeita inópia mental (ignorância, estupidez) conveniente ao uso deste nobre ofício, para que tivesse êxito na carreira seria necessário muito esforço, devendo se submeter a um regime intelectualmente debilitante que ao final de alguns meses acabaria afetando até mesmo a mente mais brilhante. Tão trabalhoso seria o desenvolvimento pessoal para exercer a profissão de medalhão que apenas por volta dos 45 anos ele estaria pronto.
No conto, ficam explícitas duas características marcantes da escrita machadiana. A primeira é a utilização da ironia durante toda a obra, tanto é assim que um pai orienta seu próprio filho a se esforçar para se tornar cada dia mais estúpido, evitando pensamentos e ideias a qualquer custo, alertando-o ainda acerca do quão árduo seria a preparação para exercer uma profissão que, na realidade, seria algo muito parecido com não trabalhar. A segunda característica é a crítica a uma sociedade que valoriza excessivamente as aparências e na qual, para se alcançar o sucesso, é necessário ter o mínimo de intelectualidade possível.
Após a leitura deste breve conto, o leitor pode se questionar: o que pensaria Machado de Assis se vivesse na nossa sociedade atual, dominada por redes sociais nas quais o que importa são as aparências, validadas por compartilhamentos e curtidas? O que teria ele a dizer do conteúdo dos programas que são transmitidos na televisão, ou sobre as letras das músicas que tocam diariamente no rádio? E, por fim, o que sentiria um dos fundadores e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras se ficasse sabendo que, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro em março de 2016, o brasileiro lê, em média, apenas 2,43 livros por ano, e também que aproximadamente 30% dos brasileiros nunca comprou um livro na vida?
Fonte: https://www.uninassau.edu.br/noticias/brasileiro-le-em-media-243-livros-por-ano-diz-pesquisa