O espelho, Machado de Assis
Geraldo Lucas Costa Cardoso, servidor do Tribunal de Justiça de Alagoas e membro do Clube do Livro Direito e Literatura
O conto O espelho, de Machado de Assis, que faz parte do livro Papéis Avulsos, traz uma análise filosófica e crítica sobre a visão que temos sobre nós mesmos, assim como a que a sociedade possui sobre nós.
Na narrativa, o personagem Jacobina faz uma reflexão sobre a transcendentalidade humana, nas palavras do autor Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro pra fora, outra que olha de fora pra dentro....
Nesse contexto, percebemos o quanto tentamos separar a vida pública da vida privada criando máscaras, com as quais buscamos esconder a nossa verdadeira identidade. É por isso que, do relato de Jacobina, compreendemos que a ausência de um olhar profundo sobre nós mesmos pode fazer com que renunciemos à nossa condição humana em nome dos títulos que desejamos ostentar: o alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que falava do posto, nada do que me falava do homem.
Durante a reunião do nosso Clube do Livro nos questionamos: o que mudou desde a época em que o autor fez essa análise sobre a alma humana? Observamos que a narrativa é muito atual, pois continuamos presos em uma teia de aparências e julgamentos, que nos leva muitas vezes a uma percepção equivocada de nós mesmos e do outro. O texto é uma análise crítica do comportamento humano e, também da sociedade da época, apegada ao prestígio social e ao conservadorismo.
Ao trazermos esse cenário para o mundo jurídico, compreendemos que precisamos nos revestir de humanidade ao lançar nosso olhar para as normas e para as pessoas.