No seu pescoço
Larissa Wanderley, assessora do Tribunal de Justiça do Estado de
Alagoas, membro do Clube do Livro: Direito e Literatura
No seu pescoço é um livro inquietante. Desde o primeiro momento o livro desperta um misto de emoções e questionamentos que perdura ao longo dos seus doze contos.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie traz nesta obra suas próprias experiências e impressões em temas pouco debatidos e muitas vezes até evitados. Na realidade de seus protagonistas nigerianos, ela aborda racismo, sexismo, misoginia, abuso e assédio sexual, questões religiosas, familiares e políticas. Aliado a esses pontos, desenvolve reflexões sobre a ideia do sonho americano, da ancestralidade, da educação e dos relacionamentos, com uma visão muito sensível e ao mesmo tempo crua e dura.
No seu pescoço é uma obra complexa e completa, com personagens femininos fortes e potentes ao longo de seus cativantes contos, que deixam uma sensação agridoce de quero mais.
Ao longo da leitura é preciso parar, respirar e refletir sobre a profundidade e significado das questões tratadas em cada história, que é única e impactante à sua maneira.
Um ponto peculiar entre os contos: nenhum deles tem um gran finale ou um felizes para sempre, a autora faz questão de deixar em aberto o desfecho de todas as histórias e o futuro dos personagens, levando a imaginação do leitor, com suas próprias vivências e interpretações, a traçar o final de cada um dos contos.
Ao buscar uma verdadeira quebra aos esteriótipos historicamente atribuídos ao povo e ao continente africano, Chimamanda percorre assuntos similares em contextos completamente diversos. A questão da imigração para os Estados Unidos é um tema recorrente, como nos contos Réplica, A Embaixada Americana, No seu pescoço e Os Casamenteiros, só para citar alguns.
Em uma experiência privada é narrado o encontro de duas mulheres, de mundos completamente distintos em uma situação de perigo comum que faz a personagem principal Chika repensar seus conceitos sobre religião, violência e desigualdades.
No conto intitulado Réplica é contada a história do casal Obiora e Nkem, a mulher com um marido ausente e um casamento fracassado vivendo praticamente sozinha com os filhos nos Estados Unidos, que sente falta se suas raízes nigerianas e toma uma importante decisão ao descobrir uma traição de Obiora.
Já no conto Jumping Monkey Hill é contada a história de Ujunwa, uma escritora que vai a um Workshop para Escritores Africanos e passa por diversas situações de assédio e racismo, muitas vezes disfarçados de brincadeira. O conto fala como as mulheres, especialmente as negras, precisam de afirmar e se impor o tempo todo contra todo tipo de violência, vindas de todos os lados, em todas as áreas de sua vida.
Em A historiadora obstinada é abordada a luta de uma mãe que para dar uma boa educação ao filho acaba lhe apresentando à cultura branca do colonizador cristão o que o faz, posteriormente, negar suas origens, raízes e cultura.
Os demais contos tratam sobre dificuldades financeiras, diversidade, casamento arranjado e o golpe militar ocorrido na Nigéria em 1983.
Outro ponto recorrente no livro são as relações familiares, desde a criação de filhos, perdas, distância, lembranças, situações que muitas vezes se cofundem com a realidade, sempre com a Nigéria no pano de fundo das histórias.
O livro aborda temas importantes e espinhosos mas não se torna demasiadamente pesado e triste, a autora os debate dentro de situações cotidianas, o que faz o leitor se transferir para a realidade dos personagens, se apegando a eles ao mesmo tempo em que se identifica com algumas das situações e se envolve com a narrativa.
Os contos conseguem são fortes e pulsantes, contam histórias de pessoas, com seu toque de realidade e dureza mas com muita beleza e poesia. Chimamanda é uma artista, o que fica mais do que comprovado nessa obra impecável.